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Torres Vedras, Portugal
ALÉM DE AMAR JANIS JOPLIN, TAMBÉM ESCREVO E PINTO

8.5.08

A Chuva é Poesia?


“A chuva é o sangue da terra!”, foi esta a resposta que ouvi daquela boca enrugada e desprovida de dentes, emoldurada no rosto daquele camponês do pó e do suor, cujas mãos, afeitas à enxada, jamais seguraram um lápis.Encarava a máquina fotográfica com aquela timidez típica de quem passa os dias curvado sob o céu com o lombo açoitado pelo Sol.
Respondia à pergunta que eu lhe tinha feito.
Um poeta, certamente; quiçá…
“A chuva é o sangue da terra!”, este é o poema que brota dos olhos, do solo gretado, da seiva dos cactos. Poema doído. Porque... O poema, o que é? Lembro-me da resposta de um amigo (Eleutério Sanches, meu professor de pintura e artes) quando questionaram-lhe sobre o porquê da sua pintura: "pinto porque a vida dói."
Lembra-te, disse-me uma vez... “Talvez a poesia não passe de uma forma de crónica, apenas: uma espécie de crónica da eternidade”.
Porque procuro poemas sob as pedras, pesadas imóveis e encontro-os no céu e nos olhos que deslumbram o infinito...
Neruda narra que na sua infância vestia-se de preto, como deveriam trajar-se os poetas. Acho que mais tarde percebeu que os poetas não se vestem, despem-se! Despidos como o camponês que falei acima, a sua pena é a enxada, os seus versos são os sulcos de esperança traçados na página da terra. Poema que não assina, pois sabe que a poesia não lhe pertence.
Se o poema é uma crónica, como me disse Eleutério, o melhor poema é o instante que se perde no tempo, mas que se preserva nas "retinas fatigadas" (as de Drummond volveram ao pó e podem ser agora uma pedra no caminho ou o vento que as apaga, sei lá...) ou nos lábios que venceram o medo e arrancaram um beijo escrevendo.
Reparem amigos, será que para escrever uma poesia a mesa deve balançar, ficar desnivelada, torta ou desprovida ante as imperfeições do piso? Os versos que a escoram não são poesia, já que o poema, ao escorar o mundo, deve entortá-lo ainda mais.
Desconfio de todo daquele que se apresenta como poeta, que se veste de preto e faz noites de autógrafos. Prefiro ouvir a poesia que emana das vozes da rua, dos gritos das feiras, do sino do templo.
Mais tarde encontrei o camponês a discutir sonetos com um tomate. Ficou irritado, arrancou o fruto, picou-o na cozinha e comeu o seu interlocutor. Aprendi que discutir poesia pode ser perigoso.

1 comentário:

Carlos Gil disse...

então? morreste ou foste para Bora-Bora? lol